terça-feira, 23 de dezembro de 2025

Outro exemplo (agora um pouco mais doce)

 Outro exemplo de que a história se repete pode ser lido no romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós. Mudando-se o corte dos vestidos, o design dos penteados e a tez branca de pó-de-arroz, aquelas cortesãs de Paris não diferem substancialmente da imensa e planetária legião de «influenciadoras», «artistas», «figuras públicas» e «criadoras de conteúdos digitais» que atravancam as redes sociais. Vem a propósito, por isso, recordar a judiciosa explicação de Jacinto sobre a criação e sustento dessas belezas artificiais: 

Uma cidade como Paris, Zé Fernandes, precisa ter cortesãs de grande pompa e grande fausto. Ora para montar em Paris, nesta tremenda carestia de Paris, uma cocotte com os seus vestidos, os seus diamantes, os seus cavalos, os seus lacaios, os seus camarotes, as suas festas, o seu palacete, a sua publicidade, a sua insolência, é necessário que se agremiem umas poucas de fortunas, se forme um sindicato! Somos uns sete, no Clube. Eu pago um bocado... Mas meramente por Civismo, para dotar a cidade com uma cocotte monumental. De resto não chafurdo. Pobre Diana!... Dos ombros para baixo nem sei se tem a pele cor de neve ou cor de limão.

Agora globalize-se Paris, acrescente-se ao rol das ostentações as viagens às Maldivas e ao Dubai, os adereços de silicone, as sobrancelhas mil vezes repetidas, e multiplique-se por milhões o número dos pagantes do sindicato. Não é a cara chapada de uma rede social que cada um de nós conhece de ginjeira?

Um dia, mais cedo ou mais tarde (dizem que o Natal é um tempo de esperança)

 Por agora não há muito a fazer, considerando o estado tóxico a que isto chegou. Trump pode escrever o próprio nome em toda a parte, nas ruas, nos centros de convenções, nas rivieras, nas moedas, no espelho do lavatório ou nos barcos de guerra. Cedo ou tarde chegará o dia, como sempre aconteceu ao longo da História, em que mesmo aqueles que acreditam nas mentiras mais desconchavadas desconfiarão do peixe podre que lhes vendem nas redes e arrancarão as letras douradas com picaretas. Em carne viva, arrastados pelas multidões, os venturas do mundo serão surrados na lama e rojados pelos gumes das pedras, como os mussolinis e os ceausescus de antanho.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Ethiké e praxis

 Apesar da interdição bíblica, Aristóteles escreve, na Ética a Nicómaco, que "é muito fácil dormir com a mulher do vizinho". Talvez fale de barriga cheia, mas não tenho como sabê-lo ao certo. Suponho, ainda assim, que Aristóteles não mora no meu prédio. Ou assim espero.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

A greve geral é sempre uma opção política; as leis laborais também

 «É uma das coisas que os patrões mais nos pediram», disse a ministra do Trabalho, há dias, quando questionada sobre uma das iníquas medidas previstas pelo pacote laboral do governo. Seja por desfaçatez ou por inépcia comunicativa, a governante tornou evidente, daquele modo, a verdadeira motivação deste e de todos os chamados pacotes laborais das últimas décadas: o objetivo passa sempre por satisfazer o patronato e nunca as necessidades daqueles que laboram.

O primeiro-ministro da Spinumviva procurou, aliás, apoucar a greve geral de amanhã, considerando que a paralisação tem «motivações políticas». A menos que Montenegro pretenda também desqualificar a atividade política (a que se dedica quase a tempo inteiro), não se compreende qual possa ser a utilidade daquele reparo. Uma greve geral é sempre um acto político e uma decisão política por parte daqueles que aderem e por parte daqueles que preferem ficar a trabalhar. Também é política a decisão de propor uma alteração à legislação laboral, sobretudo por parte de um governo minoritário que sabe de antemão que só a aprovará com o apoio dos energúmenos arruaceiros do partido fascista.

Também o trabalho é uma das actividades mais políticas a que um indivíduo de pode dedicar. Sabemo-lo, pelo menos, desde que Hegel explicou que o homem real, essencial e objetivo não é senão resultado do seu próprio trabalho. Mas Marx explicou - por muito que hoje exista um pacto de silenciamento sobre este assunto - que a concepção de Hegel peca por defeito, uma vez que só compreende o lado positivo do trabalho e não vê que ele é também uma forma de alienação e, consequentemente, de exploração e de depreciação daqueles que trabalham, aos quais nunca se paga de acordo com aquilo que efectivamente  produzem e segundo as suas necessidades básicas.

A greve geral é, pois, uma decisão política por excelência e um acto de cidadania; é um momento de exercício democrático e de reflexão sobre o país que temos e o mundo que estamos a construir para os nossos netos, tendo como único critério aquilo que os patrões pedem aos governos a fim de aumentarem os lucros. Sejamos, pois, profundamente políticos.

domingo, 7 de dezembro de 2025

Vidigueira, já ganhamos

 Mesmo não tendo participado em entediantes debates, nem tendo sido entrevistado pelo servil Vítor Gonçalves, o candidato Manuel João Vieira já é, de longe, a personalidade mais influente do ano. Caso haja alguma dúvida, basta ver como as promessas de vinho canalizado em todas as casas, fontes de bagaço nas praças, patinadoras russas para todos os homens e um Ferrari para cada português obrigaram Luís Montenegro a reagir. O primeiro-ministro propõe, espantem-se à vontade, ordenados mínimos de 1.600 euros e ordenados médios, vamos lá ser mesmo malucos, de três mil euros. Sabemos que a proposta do governo de aumento do subsídio de refeição não dá para comprar um molete. Mas, se o Vieira  mantiver a candidatura até meados de Janeiro, ainda é possível que Montenegro nos prometa que vamos todos ser suecos, louros e herdeiros universais do Elon Musk.

sábado, 6 de dezembro de 2025

Cantando e rindo a caminho do abismo

 A lamúria não é de hoje (nem de anteontem): os jornais estão a morrer e, com eles, o jornalismo (excepto nos casos em que certo interesses económicos mais ou menos ocultos sacrifiquem um cagagésimo dos respectivos lucros para sustentar um obscuro projecto de poder). Mas quase nunca se escuta um mea culpa a esses arautos, a esmagadora maioria dos quais é responsável, e há mais de vinte anos, pelo estado a que a comunicação social chegou.

Um dos mais tragicómicos exemplos disto é o chamado fact-checking, multiplicado por mil polígrafos e afins: depois de terem escancarado as portas e cafajestes manipuladores, transformando-os em líderes políticos eleitoralmente relevantes, os OCS lembraram-se de que talvez não fosse má ideia criar uma rubricazinha na qual se procurasse desmontar as atrocidades que aqueles energúmenos proclamam a toda a hora.

A ideia não seria completamente estulta se aqueles que acreditam nas mentiras dos mussolinis de carnaval alguma vez pudessem ser esclarecidos pela exibição da verdade. Mas não podem. Estão tão intoxicados e imbecilizados pela ditadura algorítmica que nem sequer tomam conhecimentos dos desmentidos proporcionados pela chamada verificação dos factos.

Pior do que isso: ao tratar do mesmo modo meras imprecisões e as falsidades absolutamente premeditadas, selvagens e soezes dos cheganos e dos seus imitadores, os OCS, os jornais e o que resta do jornalismo limitam-se a transmitir a sensação de que está tudo ao mesmo nível, assim contribuindo para a grande marcha do novo fascismo sobre o que resta da inteligência do mundo.

Em cheio na mosca

 "Leio no jornal que a «palavra do ano» é Apagão. Pela primeira vez, a vulgar acção publicitária da Porto Editora coincide – ainda que de forma involuntária – com o verdadeiro carácter da nossa época. Este é, de facto, o tempo do apagão. O apagão da história, dos factos, da dignidade, da empatia, da humanidade. Em breve, pouco restará que não tenha sido já apagado. Só a electricidade continuará a correr pelos fios, dentro das paredes".

Rui Manuel Amaral, no blogue Bicho Ruim

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

O fim do mundo numa cançoneta sem qualidades

A 25 de Fevereiro de 2022, um dia depois da invasão da Ucrânia, a Eurovisão decidiu banir a Rússia do Festival da Canção. Ontem, mais de dois anos após o início da chacina de milhares de civis em Gaza, à bomba e à fome, a mesma organização decidiu que Israel pode continuar a participar no evento.

 O assunto deste texto parecerá relativamente fútil. Trata, todavia, de mais uma manifestação da gritante dualidade de critérios e da total ausência de equanimidade, adoptadas nos últimos anos pelas potências ocidentais e pelos seus capachos. Esta espécie de relativismo hipócrita e fraudulento, consubstanciado em decisões como a execução de alegados criminosos sem julgamento ou as guerras iniciadas sob falsos pretextos, cria, com efeito, o ambiente propício para o completo descrédito do chamado Estado de Direito e para a supressão dos valores éticos que guiaram a humanidade nos seus melhores momentos - abrindo caminho para todos os autoritarismos e para todas as perversidades, arbitrariedades, crueldades e iniquidades a que os novos fascistas queiram submeter os demais seres humanos.

Não será ainda o fim do mundo. Mas é o começo do fim de um mundo onde valesse a pena estar vivo.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

Todo o livro é um palco

 Meticuloso cultor do nonsense, o Rui Manuel Amaral inventou em Zov um livro que é como um palco no qual evoluem absurdas personagens, pelo menos tão surreais e desajustadas da realidade quanto qualquer um de nós quando ninguém está a ver. Assemelha-se a uma peça de teatro avant garde, mas talvez seja apenas o reflexo lucidamente distorcido do nosso próprio rosto. O melhor exemplo disto é o tipo que está a serrar o galho da árvore alta no qual está sentado (e que é, digo eu, a cara chapada de um país a caminho do abismo suicida). No ponto a que isto  chegou, e tal como a rapariga da última cena, talvez apenas nos reste levantar o vestido e mostrar o traseiro aos que assistem narcotizados e indiferentes à grande tragicomédia do mundo.

sábado, 29 de novembro de 2025

O Alentejo ainda se pode salvar

 Os alentejanos, já se sabe, imbecilizaram bastante nos últimos anos. Mas nem tudo está perdido. Pode ser que os trabalhadores imigrantes escravizados se ergam um dia contra a opressão e a exploração — e o Alentejo volte a ser um exemplo ético para o resto do país e um sítio onde os pobres não odeiam estupidamente os outros pobres, mas sim aqueles que os escravizam e exploram.

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Talvez sejam os vapores etílicos

"Quando o movimento dos vapores [durante o sono] for muito, fica ligado não só o sentido mas também a imaginação, de tal modo que nenhuma fantasia aparece, como acontece principalmente quando alguém começa a dormir depois de muita comida e bebida. Se, porém, o movimento dos vapores for um tanto mais lento, aparecem fantasias, mas distorcidas e desordenadas, como acontece nos febricitantes. Se, porém, o movimento ainda abrandar mais, aparecem fantasias ordenadas, como costuma acontecer sobretudo no fim da dormida e nas pessoas sóbrias e dotadas de forte imaginação".

In Suma de Teologia, de Tomás de Aquino

sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Resíduos insólitos urbanos

 Em dias de borrasca, os turistas protegem-se da chuva usando capas plásticas das mais variadas cores. A cidade parece habitada por uma legião de grandes sacos do lixo com pernas, escapados, não se imagina como, dos contentores destinados aos resíduos domésticos.

terça-feira, 11 de novembro de 2025

Porque sim

 Com cerca de nove séculos a separá-los e estilos literários bastante díspares, Agostinho de Hipona (também conhecido como Santo Agostinho) e Dante Alighieri encetam, nas Confissões e n'A Divina Comédia, percursos bastante semelhantes para ascender à suposta revelação do divino. Já depois dos trinta anos de idade, começam por reconhecer o passado de pecado e abominação: «a direita via era perdida», escreve Dante logo na terceira linha; e Agostinho confessa-se dominado por toda a sorte de tentações veniais, do roubo à luxúria. Mas libertam-se da «selva selvagem» do vício de formas distintas. Agostinho dilacerado pelo pecado (e graças à teimosia da mãe em fazer dele um cristão), Dante por via de um alegoria literária em que se vê diante do poeta Virgílio e este o leva em excursão a conhecer o Inferno e o Purgatório, entregando-o depois à defunta Beatriz para que ela lhe revele as alegrias do Céu. Resistem um pouco, mais um do que o outro, mas acabam rendidos aos sofismas da crença. Deus existe, é bom, foi o criador do mundo e enviou o filho para nos salvar - porque sim.

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Um belo paradoxo

 No romance Nem todas as baleias voam, Afonso Cruz aflora por duas ocasiões a ideia segundo a qual os livros não servem para explicar coisa alguma, mas, isso sim, para «ignorar mais», um pouco à maneira de Sócrates (o grego, bem entendido). «É assim que nos tornamos cada vez mais livres», acrescenta Isaac Dresdner. Trata-se, também neste caso, de um belo paradoxo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Os alienígenas que voltem para o planeta deles

 Extraordinária vitória! Os deputados do PSD, do Ch, do CDS e da IL mostraram quem manda neste país e proibiram o uso da Burqa na nossa terra. Só falta que, com igual sensatez legislativa, imponham multas aos extraterrestres que se atrevam a vir comer nos nossos restaurantes e que impeçam as girafas de utilizarem os transportes públicos.

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Macacos no nariz, uma ontologia

 Sim, Sr. Hulot/Trafic, de Jacques Tati (1971), explora a dialética (as contradições) entre o velho mundo artesanal, do improviso, diletante, e a lógica massificada do capitalismo industrial: uma pequena empresa, de garagem, tenta fazer chegar ao sumptuoso e asséptico salão automóvel de Amesterdão um revolucionário protótipo de uma 4L destinada ao campismo, entre camiões-tir, auto-estradas frenéticas e voos de naves espaciais transmitidos em directo. Nesse momento de transição entre o mundo antigo e o novo, o ser humano, então como agora, persiste (inalterável) na sua essência. Demonstra-o a sequência da fila de trânsito na Bélgica, na qual os condutores se dedicam a tirar macacos do nariz. Hoje, 54 anos depois, em plena ascensão da inteligência artificial e no momento culminante em que se assiste à massificação do Chat GPT, basta passar alguns minutos numa bicha para, olhando para o carro ao lado, constatar que o Homem permanece igual na sua essência: somos animais básicos, e um pouco ordinários, que se entretêm a catar catotas.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

A cambalhota à moda do Porto

 Ah!, o maravilhoso mundo novo do turismo de massas! Como se não fosse já suficiente o advento do ramen e o avanço civilizacional do tuk-tuk, acabo de ler num cartaz que "já abriu", na Rua do Breyner, o Museum of Sex. Desejando vê-lo dedicado às especialidades locais, ou pelo menos capaz de impulsionar a original imoralidade tripeira, espero muito sinceramente que adestrem a horda forasteira na prática da famosa cambalhota à moda do Porto, do coito à minhota e da cópula à Gomes de Sá. Mas o mínimo que se exige é que ensinem todos os preceitos para fazer uma francesinha sem ter de aprender o utilíssimo idioma do marquês Donatien Alphonse François de Sade.

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Calisto Elói

 Seria necessário, creio eu, ter mais vezes presente o caso parlamentar de Calisto Elói, o anjo de Camilo. Exceptuando-se o abismo retórico que separa as duas épocas - aquela mais próxima do estilo garrafal, esta tão ordinária que quase não se acredita que tal seja possível -, a câmara de outrora é a cara chapada da assembleia de agora.

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Muitos parabéns, Paulinha

 Foi-me concedido, nem sei bem porquê, o privilégio da amizade da Ana Paula Tavares e a possibilidade de ter sido seu parceiro de crime em dois projetos vagamente literários (ambos sob a batuta do Paulinho Assunção, já agora), Os Olhos do Homem que Chorava no Rio e Verbetes para um dicionário afetivo. Poderão, pois, imaginar o quanto estou feliz por lhe terem atribuído este ano o Prémio Camões. Quando avança potente e seguro, o rio encontra sempre a sua foz.

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Por favor, não incomodem os fascisraelitas

Roga-se a todos os eventuais organizadores de flotilhas de ajuda humanitária, as quais incluam, nomeadamente, médicos, enfermeiros e portadores de bens alimentares essenciais, bem como àqueles que pretendam propor soluções justas e equilibradas para a convivência entre povos milenarmente antagonizados, que não incomodem, por favor, as corajosas tropas das IDF. O estado fascisrealita está a levar a cabo uma carnificina (ou preferem genocídio, mortandade, limpeza étnica?) contra civis desarmados e necessita de alguma tranquilidade para concluir essa tão urgente tarefa.

Coisa morta

 O mundo está cheio de elogios às coisas da natureza, muitos dos quais recorrendo a adjectivos francamente exagerados (fecunda, verdejante, bucólica, luxuriante, idílica....). Mas há um silêncio de chumbo a propósito do gingko, do qual apenas habitualmente se diz que é considerado um "fóssil vivo", por existir "há mais de 200 milhões de anos", sendo uma árvore contemporânea dos dinossauros. Mas ninguém fala dos frutinhos amarelos que amadurecem nesta altura do ano e, caindo dos ramos, ficam a apodrecer nos passeios da Rua de Santa Teresa (é só um exemplo), empestando o ar com o seu miasma podre de coisa morta.

sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Faúlha pouca

 «Faúlha pouca - escreveu Dante n'A Divina Comédia - em grande chama abonda». A progressão geométrica implícita na frase há-de ser muito semelhante à do processo pelo qual, a partir de um cisco de esterco e ódio, se encheu o Parlamento de uma chusma de gente difícil de descrever sem recurso à linguagem mais rude.

terça-feira, 30 de setembro de 2025

Retórica política

 Chamada a um tribunal a propósito da divulgação pública, com objectivos xenófobos, de uma lista de nomes (alegadamente não portugueses) de crianças inscritas numa escola em Portugal, a principal influencer juvenil do partido neo-fascista disse ontem que não está arrependida e justificou-se explicando que o acto ignóbil constituiu «um exercício de retórica política». A manobra mediática de Matias serve, com efeito, para justificar tudo e mais alguma coisa. Também devia ser óbvio que aquele partido repleto de criminosos da mais baixa extração não vai limpar coisa alguma e muito menos um país inteiro. Só não sou ainda capaz de determinar em que género de retórica política se inscreve a atividade (pelo menos) fotográfica de Luís Portilheiro, o candidato do Chega à União de Freguesias da Sé e São Lourenço, em Portalegre. 

segunda-feira, 29 de setembro de 2025

Uma campanha alegre

 Creio que todos os candidatos à Câmara do Porto, incluindo aqueles que nunca tinham tido uma ideia sobre a cidade, já expressaram opiniões bastante contundentes relativamente ao projecto do metrobus da Avenida da Boavista. Este, para além de não ter ainda começado a operar, custará um cagagésimo do orçamento final da Linha Rosa, que só servirá duas novas estações e traz a Baixa em pantanas há quase cinco anos (para além de ter, na prática, inviabilizado uma nova e estratégica ligação a Matosinhos, servindo dois polos universitários, a zona da Pasteleira e a parte mais ocidental da cidade). Curiosamente, ou talvez não, ninguém escuta uma palavra sobre a Linha Rosa do Metro aos senhores candidatos.

sexta-feira, 26 de setembro de 2025

Olha para o que eu digo, não vejas em quem eu voto

 A propósito dos negócios da empresa de que é proprietário o presidente da Câmara de Paredes (Alexandre Almeida, PS), a dirigente concelhia do PSD, Mariana Machado, disse à SIC que «quem governa uma câmara municipal nunca pode estar embrenhado por um véu de suspeição (sic)» e exige a demissão imediata do autarca. Trata-se, parece-me, de uma opinião bastante razoável. Falta saber se Mariana Machado sabe quem é o líder do seu partido e se também acha que um primeiro-ministro «nunca pode estar embrenhado por um véu de suspeição» (seja lá o que isto queira dizer em Português decente).

quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Negócio da China

 O governo apresentou hoje uma proposta segundo a qual beneficiarão de redução fiscal os senhorios que aluguem habitações até 2.300 euros por mês ou proprietários que vendam casas por preços até 648 mil euros. Considera o governo que aqueles são valores "moderados". E provavelmente já não espanta - nem causa indignação - que o PSD e o CDS defendam tais coisas, uma vez que os portugueses já demonstraram que apreciam ser aldrabados, manipulados e escarnecidos, recompensando até nas urnas aqueles que os estupidificam.

Resta agora esperar para ver qual será o único efeito prático das medidas agora anunciadas. O mais provável, conhecendo o "mercado" e vendo como funciona, é que um apartamento cuja renda esteja, suponhamos, nos 1.800 euros (que também não é um valor moderado) passe a custar 2.250 euros por mês, beneficiando, ainda assim, do desconto fiscal. O mesmo nas compras e vendas. Os inquilinos e os compradores acabarão por pagar a diferença do seu bolso e também o benefício fiscal, que sairá do erário público que mantêm com os impostos que pagam.

Não admira, pois, que cada vez mais políticos tenham interesses no sector imobiliário. Ganham dinheiro de braços cruzados e até podem decidir que lucro têm.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

O grande pacificador

 Estava para fazer um post perplexo a propósito das sete guerras que o celerado da Casa Branca diz ter resolvido. Mas o El País antecipou-se e esclareceu-me. São, conforme se pode constatar, conflitos militares da maior importância. Creio até que, em seu desfavor, Trump se esqueceu de mencionar uma muito desagradável querela a que acabo de assistir enquanto atravessava uma passadeira para peões: um tipo buzinou a uma moça que desrespeitou uma regra de trânsito qualquer, mas, inspirado pelo exemplo pacifista do presidente norte-americano, seguiu viagem sem provocar uma carnificina na Praça dos Leões.

terça-feira, 23 de setembro de 2025

A Europa entre o fogo e a frigideira

 Os mais recentes desenvolvimentos na cena política internacional demonstram que, se não fosse liderada por um louco autocrático e fascista, a Rússia poderia ser hoje um parceiro privilegiado da Europa ocidental (cuja morte foi hoje anunciada por Trump). Com Putin no Kremlin, porém, os europeus estão condenados a marinar entre o fogo e a frigideira, à mercê dos mitómanos manipuladores fascistas que nos calharam em sorte. No ponto em que estamos, só uma catástrofe de proporções planetárias nos poderá devolver ao caminho da civilização, do humanismo e da decência. E nem sequer estou a ser pessimista.

segunda-feira, 22 de setembro de 2025

«És tu que me vais mandar prender, Andrézito?»

 Não me parece impossível que os indivíduos recentemente assassinados a bordo de embarcações bombardeadas pelos EUA nas Caraíbas fossem, de facto, traficantes de droga (nem é improvável que o governo venezuelano seja convivente com o dito tráfico). O busílis está em que um Estado de Direito decente não sentencia criminosos à morte sem um julgamento prévio e justo. Já quase ninguém se lembra disto, uma vez que o discurso dominante procura, há muito tempo, fazer tábua rasa da lei e da ordem, mas, sem o respaldo da Justiça, o que o governo norte-americano está a fazer é apenas um homicídio em série. Um crime, portanto. E, por este crime, espero que os responsáveis possam ser julgados e condenados - não, como as suas vítimas, a serem assassinados com um míssil na testa, mas a uma pena razoável e própria de uma comunidade civilizada.

É quase bizarro, por isso, que tenha de ser o presidente da Câmara de Oeiras a recordar, a propósito de uma zanga de comadres, que o Estado de Direito implica a separação de poderes e que esta é um pilar fundamental da vida civilizada em comunidade.

sábado, 20 de setembro de 2025

Geoestratégia pós-moderna

 Trump continua muitíssimo empenhado em reactivar a rede social TikTok nos EUA. Mas porquê tanto empenho relativamente a uma ferramenta informática que, no essencial, serve para difundir dancinhas idiotas, para narcotizar os utilizadores e para disseminar mentiras? Caso houvesse dúvidas, o próprio Trump já explicou publicamente que o TikTok o ajudou a ganhar as eleições. Posto isto, a China há-de ser a principal interessada em que o TikTok volte a funcionar nos EUA, seja de que forma for. É muito mais fácil derrubar um império idiotizado do que uma nação de cidadãos livres.